O elusivo medo da solidão
No livro Sapiens: Uma Breve História da Humanidade, Harari ilustra e sustenta uma atrativa linha de pensamento sobre o motivo do sucesso da espécie humana. Segundo Harari, o que possibilitou o Homo sapiens subjugar as demais espécies foi a capacidade de criar redes complexas de cooperação. O funcionamento dessas redes carece de que as pessoas compartilhem de um mito em comum, como, por exemplo:
Muitas pessoas lutarão em uma guerra, porque acreditam que dessa forma protegerão a Nação e suas famílias; muitas pessoas trabalharão para cumprir as metas de uma corporação, porque acreditam que no final do mês receberão um salário e, também, muitas pessoas obedecerão aos mandamentos de Cristo, porque acreditam que assim terão vida eterna. O que motiva estas pessoas é a recompensa e até que ela se torne real é um mito compartilhado (ou uma realidade intersubjetiva, na linguagem do autor).
Já que o Homo sapiens é uma criatura social, que constrói o seu sucesso sob a dependência da companhia e das relações sociais com outros seres humanos, porventura, existiria algum problema na solidão?
Seres Sociais
Dependemos de seres humanos para nascer. E, após o nascimento, dependemos de outros seres humanos para alimentação, cuidados e necessidades básicas. Talvez a primeira interação social que fazemos, mesmo que de forma inconsciente, seja a maternal. Quando os bebês crescem, é comum serem introduzidos (ou despejados) em um ambiente conhecido como escola. Na escola, geralmente ocorre os primeiros e mais marcantes choques de interesses e interações, onde a criança, sentindo-se sozinha, começa a descobrir algo chamado aceitação social e, talvez, não-conscientemente começa a procurar por seu grupo.
Crianças crescem, tornam-se adolescentes, buscam grupos para beber, namorar, irem às festas. Adolescentes amadurecem, alguns entram na faculdade e procuram grupos para estudar e se formar. Na vida adulta precisam trabalhar. No trabalho, também precisam de grupos de pessoas para executarem apenas algumas tarefas, ou, todo o trabalho em si. São pessoas dependendo de pessoas. Algumas dependem mais e outras dependem menos.
O primeiro “uém uém” de um bebê decreta a sua fragilidade ao depender de outro ser humano para viver. Para seres sociais, a solidão não é tão bem-vista quanto estar com alguém ou um grupo.
Solidão é algo ruim?
A solidão geralmente vem acompanhada do silêncio. Não por acaso, o silêncio é sinônimo de sabedoria. Nesta carga de sabedoria podemos acrescentar que as pessoas mais solitárias muitas vezes são, também, as mais gentis, mesmo as introvertidas. Das que pouco sorriem, não dificilmente são as que têm o sorriso mais genuíno. As pessoas mais solitárias também são as mais solícitas, porque também são aquelas que mais sabem o que significa precisar e não ser ajudado.
Companhias trazem seus louros assim como a solidão. Mas estar só e não estar na companhia de alguém, ou um grupo, são coisas diferentes. Há pessoas que se sentem só, mesmo estando na companhia de alguém. E todos nós somos, em algum momento, sozinhos, embora uns mais e outros menos. Por isso, o que as pessoas mais temem não é a solidão, mas o momento e o tempo que julgam estar sós.
É possível imaginar que solidão significa estar exclusivamente na presença de si e com atenção para si. A solidão, de certa forma, não é algo ruim que deve ser temido, porque o que realmente as pessoas devem temer é não estarem na companhia de si. Então, quando ver uma pessoa que julga solitária, antes de sentir pena, reflita se não há indícios para admirá-la. Talvez ela traga, consigo, uma musculatura racional que nem mesmo os poucos mais bem acolhidos — socialmente — conseguem ter.
Dedico este texto à música Comptine d’un autre été (Amélie theme).